Fake News e a disputa pelo monopólio da "verdade real".



No âmbito jurídico, a busca pela "verdade real" é um conceito que frequentemente se depara com desafios e limitações. Uma vez em que muitos sistemas jurídicos a verdade real é idealizada como o objetivo último dos procedimentos legais, na prática, alcançá-la pode ser complexo e, às vezes, inatingível. 


A verdade real no direito refere-se à busca pela total compreensão dos fatos e circunstâncias de um caso, visando a descoberta da verdade substancial e completa. Isso contrasta com a ideia da "verdade formal", que se concentra nos procedimentos legais e na aplicação estrita das leis, mesmo que isso não necessariamente leve à descoberta integral dos fatos. 


Verdade real: você pode vê-la, mas não pode tocá-la. Você pode tocá-la, mas não a terá para sempre. O mundo possui mais de oito bilhões de verdades e de interpretações da realidade. Em cada uma delas, há um sistema de crenças, valores, como programas de computador executando em primeiro e segundo plano, dotados de códigos complexos, elementos químicos e sinapses que formam aquilo que chamamos de "realidade" ou, "tudo que existe". A nossa percepção de verdade pode não passar de mais uma dentre milhares de programações. 


Dito isto e já tomando emprestado o conceito da filosofia, a verdade real é alétheia, que significa o não oculto, o não dissimulado e, como tal verdadeiro, é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito, é a manifestação do que é ou existe tal como é. Já a verdade formal é a validade de uma conclusão à qual se chega seguindo as regras de inferência a partir de postulados e axiomas aceitos. 


Nesse contexto, a obtenção da verdade real enfrenta uma série de desafios. Por um lado, os recursos limitados, como tempo e recursos financeiros, podem dificultar a condução de investigações extensas e minuciosas. Além disso, a subjetividade humana e a possibilidade de vieses pessoais podem influenciar a interpretação dos fatos e evidências. 


Quando avançamos no tema, levantamos uma questão: Qual é o grau de discricionariedade de quem possui do poder de dizer o que é verdadeiro ou falso? Os excessos do uso desse poder podem ser mitigados? Quem controla o controle? 


No panorama global, o combate às fake news é um imperativo moral e social. Contudo, enquanto perseguimos incansavelmente a erradicação da desinformação, devemos estar atentos aos perigos que podem surgir quando esses esforços comprometem a liberdade de expressão, abrindo espaço para tendências autoritárias que minam os fundamentos democráticos.


Os regimes autoritários frequentemente usam a desculpa da luta contra as fake news para justificar a censura e a repressão de vozes dissidentes. Sob o pretexto de proteger a verdade e a estabilidade, esses regimes impõem restrições draconianas à liberdade de expressão, sufocando a diversidade de opiniões e promovendo uma cultura do medo e da conformidade.


Os riscos do autoritarismo não se limitam apenas à esfera política, mas também têm ramificações significativas no âmbito jurídico e social. Legalmente, as restrições à liberdade de expressão podem levar à adoção de leis arbitrárias e draconianas que criminalizam a dissidência e reprimem a liberdade de imprensa. Isso cria um ambiente propício para abusos de poder e corrupção, minando os princípios democráticos e o Estado de Direito.


Socialmente, o autoritarismo corroí a confiança nas instituições democráticas e polariza a sociedade, alimentando o ressentimento e o conflito. A censura e a perseguição de dissidentes exacerbam as divisões existentes, minando a coesão social e corroendo os valores fundamentais de tolerância e respeito mútuo.


Além disso, as consequências do autoritarismo se estendem além das fronteiras nacionais, ameaçando a estabilidade regional e global. Regimes autoritários que restringem a liberdade de expressão muitas vezes se engajam em atividades desestabilizadoras, minando a segurança e a cooperação internacional.


Houve muitos exemplos históricos em que o Estado, ao tentar defender a liberdade, cometeu erros que resultaram em violações desse direito fundamental. Um exemplo notório é o período da Guerra Fria, em que muitos governos democráticos, como os Estados Unidos, implementaram políticas de repressão à liberdade de expressão em nome da segurança nacional e da luta contra o comunismo. Isso levou a práticas como a Lista Negra de Hollywood, em que artistas e cineastas eram boicotados e perseguidos devido a suas supostas afiliações políticas.


Outro exemplo é o caso do Programa de Contrainteligência da CIA (COINTELPRO), que visava infiltrar, desacreditar e desestabilizar grupos considerados subversivos nos Estados Unidos durante as décadas de 1950 a 1970. Esse programa incluía vigilância ilegal, difamação e até mesmo incitação à violência contra ativistas políticos e grupos de direitos civis, tudo em nome da segurança nacional.


Além disso, em muitos países, vemos o surgimento de um monopólio da verdade, em que o Estado ou determinadas instituições controlam a narrativa dominante, suprimindo informações e perspectivas divergentes. Um exemplo contemporâneo é a censura estatal em regimes autoritários, como na China, onde o governo controla estritamente a mídia e a internet, reprimindo qualquer forma de dissidência e promovendo uma única versão dos fatos.


A manipulação da informação também é uma preocupação crescente, especialmente com o advento das redes sociais e da era digital. Os governos e outros atores podem usar técnicas de propaganda e desinformação para influenciar a opinião pública e moldar a percepção da realidade. Isso pode incluir a disseminação de notícias falsas, a manipulação de algoritmos de mídia social e o financiamento de campanhas de desinformação.


Finalmente, os discursos unilaterais por parte do Estado ou de certos grupos políticos podem minar a liberdade de expressão ao marginalizar vozes dissidentes e restringir o debate público. Isso pode ocorrer através da promoção de narrativas exclusivistas e da demonização de oponentes políticos, criando um ambiente hostil para o livre intercâmbio de ideias e opiniões divergentes.


Em todos esses casos, é essencial que a sociedade esteja vigilante e defenda vigorosamente a liberdade de expressão como um direito fundamental e inalienável. Isso requer um compromisso contínuo com os princípios democráticos, a transparência governamental e a pluralidade de vozes na esfera pública. A liberdade de expressão não é apenas um luxo, mas sim um pré-requisito essencial para uma sociedade livre, justa e democrática.


Portanto, é crucial que o combate às fake news seja conduzido com um compromisso inabalável com os princípios democráticos e os direitos humanos. Isso requer uma abordagem multifacetada que enfatize não apenas a verificação de fatos e a educação midiática, mas também a proteção da liberdade de expressão como um direito fundamental e inalienável de todos os cidadãos.


Resta indagar: quando o Estado nega fatos comprovados, estaria ele promovendo fake news? Ainda, quando o Estado promove campanha para abafar a opinião pública sobre a sua conduta, estaria ele ferindo um Direito Fundamental? 


Em última análise, só podemos verdadeiramente erradicar as fake news e fortalecer a democracia quando garantirmos a proteção da liberdade de expressão, resistindo às tentações do autoritarismo. Somente assim podemos construir sociedades mais justas, informadas e livres.

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