Voto. Exercício de um poder.
O voto, em uma sociedade democrática, é muito mais do que um simples direito; ele representa a essência do poder popular e a base sobre a qual se erige todo o edifício do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, parágrafo único, consagra o princípio de que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Isso implica que o voto não é apenas uma prerrogativa individual, mas um mecanismo de exercício da soberania, através do qual o cidadão se torna protagonista na construção do destino coletivo.
Não lembro ao certo quando escrevi essa frase, mas lhe garanto que foi inspirada por muitas figuras importantes no meio jurídico. Cito algumas neste texto.
O ato de votar é a expressão mais direta e concreta da cidadania, pois é por meio do voto que o cidadão participa da escolha daqueles que irão conduzir as decisões políticas e administrativas do país. A cidadania, nesse contexto, não se restringe ao gozo de direitos, mas se amplia para incluir deveres e responsabilidades, sendo o voto uma das principais formas de participação cívica. Norberto Bobbio, um dos maiores teóricos do direito e da política do século XX, enfatiza que a cidadania confere ao indivíduo o status de membro ativo de uma comunidade política, com direito a intervir nos destinos dessa comunidade, e o voto é um dos instrumentos mais importantes dessa intervenção.
Além de ser um ato de cidadania, o voto é uma forma de exercício de poder, no sentido mais jurídico e político do termo. Hans Kelsen, em sua teoria pura do direito, argumenta que o poder jurídico é a capacidade de criar, modificar ou extinguir normas jurídicas. Nesse sentido, ao votar, o cidadão não apenas delega poder aos seus representantes, mas também legitima a criação das normas que regerão sua vida em sociedade. É através do voto que se concretiza a vontade geral, que, na visão de Jean-Jacques Rousseau, é a expressão do interesse coletivo, acima dos interesses individuais.
A Constituição Federal, ao instituir o sufrágio universal, garante que cada cidadão, independentemente de sua condição social, econômica ou cultural, tenha o mesmo peso e a mesma importância na definição dos rumos políticos do país. Isso reflete o princípio da igualdade, que é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. J. J. Gomes Canotilho, em suas obras sobre direito constitucional, sublinha que a soberania popular é a base sobre a qual se estrutura todo o sistema político e jurídico de uma nação, e que o voto é o principal instrumento de sua realização prática.
No entanto, com o poder do voto vem uma grande responsabilidade. O eleitor, ao votar, não deve apenas considerar seus interesses imediatos ou individuais, mas deve ter em mente o bem comum, a justiça social e a sustentabilidade das políticas públicas. Rui Barbosa, um dos mais destacados juristas brasileiros, advertiu que "o voto é uma arma poderosa, e como toda arma, deve ser usada com responsabilidade e discernimento". A escolha dos representantes não é uma decisão trivial, pois deles dependerá a criação de leis, a formulação de políticas públicas e a administração dos recursos do Estado.
Alexis de Tocqueville, em sua obra "A Democracia na América", alertou para os perigos da "tirania da maioria", onde a vontade da maioria pode, em certos casos, oprimir minorias ou levar a decisões que não correspondem ao verdadeiro interesse coletivo. Isso evidencia a importância de um eleitorado consciente e bem informado, que seja capaz de compreender as complexidades da vida política e social, e de fazer escolhas que reflitam não apenas seus desejos imediatos, mas também o futuro da nação.
O voto, portanto, não é apenas um direito individual, mas uma expressão de poder coletivo, uma manifestação da soberania popular que legitima o Estado e suas instituições. É através do voto que o cidadão exerce seu papel de coautor na construção da sociedade, influenciando diretamente as decisões que moldarão o futuro do país. Essa responsabilidade exige um eleitorado consciente, capaz de discernir entre as diversas opções políticas e de escolher aquelas que melhor representem o interesse público e a justiça social.
Além disso, o voto é também um mecanismo de controle do poder. Ao escolher seus representantes, o cidadão não só delega poder, mas também confere legitimidade ao exercício desse poder, que deve ser exercido em conformidade com a vontade popular. Através do voto, o cidadão pode premiar ou punir seus representantes, aprovando ou rejeitando suas ações e políticas. Esse ciclo de renovação do poder é fundamental para a vitalidade da democracia e para a preservação das liberdades individuais e coletivas.
Por fim, é importante destacar que o voto, como instrumento de poder e cidadania, é também um ato de afirmação da dignidade humana. Ao votar, o cidadão afirma sua condição de sujeito de direitos, capaz de influenciar os destinos de sua comunidade e de seu país. Essa dimensão ética do voto é sublinhada por diversos teóricos do direito e da filosofia política, que veem no ato de votar uma manifestação da dignidade e da autonomia do indivíduo, como um ser livre e responsável.
Em síntese, o voto é um elemento central na construção e na manutenção do Estado Democrático de Direito, sendo ao mesmo tempo uma manifestação de cidadania, uma expressão de poder e um ato de responsabilidade ética. É através do voto que o cidadão se faz presente na vida política, influenciando as decisões que afetarão sua vida e a vida de toda a coletividade. Por isso, votar é um dever cívico que deve ser exercido com plena consciência de sua importância e de suas consequências para o presente e para o futuro da nação.
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